sábado, 27 de abril de 2013

"No pedestal"



Não adianta purgar meus espectros

se você teima em aparecer nos meus sonhos

 e me devolver à servidão.

Decidi, então, parir uma pedra

 no meio do teu caminho

para que você tropece e,

 ao menos uma vez na vida,

me olhe sob outra perspectiva.

sábado, 20 de abril de 2013

Canção para uma estrangeira


Dias desses, estava eu conversando ao telefone com minha filha Ana Bárbara, que vive como que uma estrangeira, em terras distantes e estranhas, e ela me pareceu carregar uma tristeza além da costumeira (as estrangeiras tem um tristeza intrínseca), o que me deixou em estado de alerta.

As dificuldades para quem parte para outras terras  não se dão no choque inicial e sim, no decorrer das adaptações às regras, à sociedade que não se compreende e as oposições que parecem destoar do aprendizado de vida.

Conversei um tanto com ela e por mais sorrisos que consegui arrancar, pousei o telefone no gancho com a sensação que, apesar da distância, poderia e deveria tentar algum alento.
Sempre penso nas palavras e na música. Lembrei que na minha infância tínhamos um disco compacto com  a “Canção para Bárbara” que minha mãe, que também é duplamente Bárbara (bárbara significa “estrangeira” e minha mãe nasceu na antiga Iugoslávia, atual Sérvia), adorava e ouvia com frequência. Pensei em enviar-lhe essa canção com algumas palavras que pudessem ajudá-la.

Não contava que teria dificuldades em achar a bendita canção. Procurei pela internet e nada. Não existe “Canção para Bárbara”. Fiquei frustrado.

Estava quase desistindo da empreitada quando me ocorreu que a música fora trilha sonora de novela. Eu era criança e me lembrava, hoje,  da cara da Regina Duarte em “close” com a música ao fundo. “Fogo sobre Terra”. Era essa a novela. Procurei a trilha sonora na internet. Na trilha nacional não encontrei. Mas, claro, só poderia estar na estrangeira. Nada de Bárbara.

E então, aquilo que estava oculto quando deveria parecer o óbvio, se apresentou.

A canção não se chama “Canção para Bárbara”. Era o “Tema de Bárbara” (que era o papel da Regina Duarte, que na época não demonstrava ser medrosa) e a canção se chamava “Le Chanson Pour Anna”.
E aí me ocorreu a seguinte torrente de imagens: mãe, Bárbara, estrangeira, leonina, elemento fogo, em terras distantes, tema de Bárbara, música para Ana, de “fogo sobre terra”, filha, Ana Bárbara, Capricorniana, elemento terra, distante, estrangeiras...

Não lhe enviei a mensagem. Contei-lhe a história ao telefone. A história de um tema de Bárbara, que é uma canção para Ana, oferecida à Ana Bárbara. A graciosa estrangeira.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Entreatos



Vendi minha consciência a algumas doses de whisky,
enquanto observava a moça  da mesa ao lado.
Ela era tão bela.
E aquele rapaz ?
Beijava-a tão mecanicamente que me causava ojeriza
Imaginar a disparidade entre o tal gesto e o merecimento,
Entre a intenção e a, aparente, casualidade.

E então, me descobri “ela”. Protestando.
“Como ousavas, esse insano,
me tratar como uma boca qualquer,
beijada assim, displicentemente?
Por que sua mão me tocava tão... tão sem calor,
Sem pressão, sem transferências?
Por que sua atenção era desviada?”

E então, eu me dei conta que eu era ele, agora.
Furioso.
Tentava beijar minha namorada,
Mas não podia deixar de perceber
o olhar insistente na outra mesa.
Visivelmente alcoolizado.
“Bêbado, filha da puta!” pensei.
E enquanto tentava esquecê-lo,
Flagrei-o piscando para ela.
Não me contive. Levantei, fui até ele
e dei-lhe um soco no olho.

O sol passou pela fresta da janela.
Minha cabeça parece querer explodir.
Não consigo relacionar os fatos.
Meu olho está inchado.
Devo ter batido em algum lugar.
Espero não ter feito bobagens.