quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Poema Negro


Nos arrancaram de nossa terra,
nos empurraram aos morros.
Sob grilhões e chicotes.
Nos disseram que não somos,
que não temos direitos.
Nos espalharam pelo mundo,
imundos e apátridas!
Hoje somos brasileiros, americanos, europeus,
Habitamos todos os recantos do mundo
Somos de todas as nações.
Somos do mundo,
Mas, o Olimpo é branco
e não somos deuses gregos,
Mas, podemos ser o Rei Zulu,
Levantamos nossa cabeça e disseemos: somos negros.
Claro! Temos a pele escura,
Mas não as cores que brilham.
As cores tem certos jeitos.
Jeitos que descrevem.
Jeitos classificam e excluem.
Onde o escuro é ruim.
Onde o claro é limpo!
Onde a escuridão não brilha.
Mas nós podemos brilhar.
Nos palcos, nas quadras, nos campos.
Podemos ser pastores
e sonhar com a igualdade
Podemos ser ministro, presidente.
Podemos pulsar um coração ritmado
e transformá-lo em música
de dor, de alegria, de esperança
Posso reinventar os ritmos
e transformá-los em dança
Não, não somos negros,
Somos gente.
Somos mundo.
Somos força.
Somos, simplesmente, humano.
E acreditamos que,
como todas as cores,
Devemos nos misturar ao arco-íris.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Oração de um ateu à mesa


Obrigado acúmulo de conhecimento por me fazer aproveitar aquele resto de feijão e aquela calabresa esturricada, que estava na geladeira, para fazer um tutu de feijão saboroso;

Obrigado acúmulo de conhecimento por me permitir transformar aquelas abobrinhas e tomates passados, em um ensopado delicioso de abobrinha com páprica;

Obrigado acúmulo de conhecimento em me proporcionar transformar a carne de segunda em um cozido palatável com batata e cenoura.

Amém. Até que haja uma negação!

Toque Uma

Homenagem ao dia do sexo!
(drama sexual em onze estrofes e um ato... solitário)



Vou contar a minha história
Desde pequeno é assim
Meus amigos saem com todas
Não sobra nada pra mim.

Eta vida danada
Uns tem muito, eu nenhum
Sempre que a coisa aperta
É no cinco contra um

Nessa vida de pobre
Não vejo uma solução
Puta bonita é cara
Baranga não da tesão

Preta, loira ou morena
Não faço muita questão
Só não quero passar noites
Curtindo masturbação

Quando chego numa roda
Começa a alopração:
“Nunca vi um analista
Ter tanto calo na mão.”

Você está enganado
Se acha que eu me abalo
De ver todos os meus filhos
Escorrendo pelo ralo
  
Passo as noites em claro
Só, vendo televisão
Rala e rola de tudo
E eu, me acabo na mão

Rezar, eu não consigo
Veja que coisa idiota
Descobri que a mão direita
Tem ciúmes da canhota

Já estou me acostumando
De ficar tocando bronha
Mais vale ter mão ativa
Do que bunda sem vergonha

Ontem, comprei uma luva
Pra cobrir minha mão
Pois se vejo ela nua
Fico logo com tesão

Acho que chegou a hora
De assumir a relação
Vou me esquecer das mulheres
E casar com minha mão.


sábado, 27 de abril de 2013

"No pedestal"



Não adianta purgar meus espectros

se você teima em aparecer nos meus sonhos

 e me devolver à servidão.

Decidi, então, parir uma pedra

 no meio do teu caminho

para que você tropece e,

 ao menos uma vez na vida,

me olhe sob outra perspectiva.

sábado, 20 de abril de 2013

Canção para uma estrangeira


Dias desses, estava eu conversando ao telefone com minha filha Ana Bárbara, que vive como que uma estrangeira, em terras distantes e estranhas, e ela me pareceu carregar uma tristeza além da costumeira (as estrangeiras tem um tristeza intrínseca), o que me deixou em estado de alerta.

As dificuldades para quem parte para outras terras  não se dão no choque inicial e sim, no decorrer das adaptações às regras, à sociedade que não se compreende e as oposições que parecem destoar do aprendizado de vida.

Conversei um tanto com ela e por mais sorrisos que consegui arrancar, pousei o telefone no gancho com a sensação que, apesar da distância, poderia e deveria tentar algum alento.
Sempre penso nas palavras e na música. Lembrei que na minha infância tínhamos um disco compacto com  a “Canção para Bárbara” que minha mãe, que também é duplamente Bárbara (bárbara significa “estrangeira” e minha mãe nasceu na antiga Iugoslávia, atual Sérvia), adorava e ouvia com frequência. Pensei em enviar-lhe essa canção com algumas palavras que pudessem ajudá-la.

Não contava que teria dificuldades em achar a bendita canção. Procurei pela internet e nada. Não existe “Canção para Bárbara”. Fiquei frustrado.

Estava quase desistindo da empreitada quando me ocorreu que a música fora trilha sonora de novela. Eu era criança e me lembrava, hoje,  da cara da Regina Duarte em “close” com a música ao fundo. “Fogo sobre Terra”. Era essa a novela. Procurei a trilha sonora na internet. Na trilha nacional não encontrei. Mas, claro, só poderia estar na estrangeira. Nada de Bárbara.

E então, aquilo que estava oculto quando deveria parecer o óbvio, se apresentou.

A canção não se chama “Canção para Bárbara”. Era o “Tema de Bárbara” (que era o papel da Regina Duarte, que na época não demonstrava ser medrosa) e a canção se chamava “Le Chanson Pour Anna”.
E aí me ocorreu a seguinte torrente de imagens: mãe, Bárbara, estrangeira, leonina, elemento fogo, em terras distantes, tema de Bárbara, música para Ana, de “fogo sobre terra”, filha, Ana Bárbara, Capricorniana, elemento terra, distante, estrangeiras...

Não lhe enviei a mensagem. Contei-lhe a história ao telefone. A história de um tema de Bárbara, que é uma canção para Ana, oferecida à Ana Bárbara. A graciosa estrangeira.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Entreatos



Vendi minha consciência a algumas doses de whisky,
enquanto observava a moça  da mesa ao lado.
Ela era tão bela.
E aquele rapaz ?
Beijava-a tão mecanicamente que me causava ojeriza
Imaginar a disparidade entre o tal gesto e o merecimento,
Entre a intenção e a, aparente, casualidade.

E então, me descobri “ela”. Protestando.
“Como ousavas, esse insano,
me tratar como uma boca qualquer,
beijada assim, displicentemente?
Por que sua mão me tocava tão... tão sem calor,
Sem pressão, sem transferências?
Por que sua atenção era desviada?”

E então, eu me dei conta que eu era ele, agora.
Furioso.
Tentava beijar minha namorada,
Mas não podia deixar de perceber
o olhar insistente na outra mesa.
Visivelmente alcoolizado.
“Bêbado, filha da puta!” pensei.
E enquanto tentava esquecê-lo,
Flagrei-o piscando para ela.
Não me contive. Levantei, fui até ele
e dei-lhe um soco no olho.

O sol passou pela fresta da janela.
Minha cabeça parece querer explodir.
Não consigo relacionar os fatos.
Meu olho está inchado.
Devo ter batido em algum lugar.
Espero não ter feito bobagens.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Seu Dito e os apelidos de família



Benedito Serra, ou “Seo Dito”, como é conhecido é meu pai, completa 80 anos, nesse ano. Está com a saúde em ordem para essa idade. Não ouve muito bem. Às vezes, parece que se faz de desentendido. Anda contemplativo, como se observasse a modernidade à distância, mas, apesar de certo repúdio, evita estresses desnecessários.
Seu Dito teve 8 filhos. Muito para hoje. Normal para a época dos nascimentos.
Ele sempre foi dado a posturas sérias, obtidas através de uma dura criação cristã e de roça, onde as crianças pediam “a benção” e não questionavam os adultos.
Essa postura austera criou uma barreira de diálogo aberto com os filhos (o rebelde aqui em primeiro lugar - suponho), que só foi minimizada com os avanços do mundo e com o aumento das tolerâncias de todas as partes.
Entretanto, o Benê, como eu o chamo hoje, como sutil sacanagem amistosa, era um pai que gostava de botar apelidos esdrúxulos e carinhosos nos filhos. E haja apelido. Sobraram para alguns (no duplo sentido), faltou para um.
Ao Sérgio, o primogênito, coube a inauguração do rol, com um controverso “Buié”. Fico tentando imaginar de onde ele tenha tirado a alcunha. Talvez de alguma tentativa de pronuncia de alguma palavra. O fato é que na adolescência, por um fato peculiar, um amigo começou a chamá-lo de “bueiro” que, com boa vontade, passa por premonição (toda premonição necessita de boa vontade).
Quando a mim, virei “Paquilo Tequilo”! Não é chique? Apelido e sobreapelido! Acho um luxo só! E como era o menor e mirrado, tudo ficou por Paquilinho mesmo. Quer dizer, teria ficado se eu não fosse, desde pequeno, dado a bulir com tudo que se apresentasse diante dos meus olhos. Aí, a portuguesa, dona do armazém que viria a ser do meu pai, sentenciou: Rála-rála! E cresci entre um e outro.
Em seguida veio o Carlos. O Guguinho! Luis Carlos versus Guguinho não tem conexão nenhuma. Se fosse Gustavo, Gumercindo, Gusmão, Gutembert... vá lá. Mas, não. Poderia ser alguma coisa com um eventual “Gugu dada”. Contudo, desconheço, exceto nos desenhos animados e inanimados, alguma criança que fala o tal “Gugu Dada”.  O fato é que minha filha Anitsa, trata o apelido como reflexo de “bebezinho” e, por vezes, a ouvi dizendo à ele: “Mas é um Guguinho mesmo!”.
Depois veio o Eduardo que poderia ser Duda, Dudu, Edu, Duduzinho e por aí vai. Ganhou apelido de príncipe: “Tateco Levado da Breca”. Fala aí? O Benê se superou, né? Completíssimo. Eu até hoje o chamo assim. ‘Inda uso um latinidade e pronuncio “Tatecus”.
Passaram três longos anos e nasce a primeira e desejada menina. Sílvia Regina. De supetão, virou Cotota. Esse até cabe. Virou nossa bonequinha. Cresceu Cotota. Quando adulta, virou Cots  (Só para mim). Curiosidade: Temos um tia “Cote” que nasceu na mesma data dela.

Veio a Marcia Regina. Virou Migudo. Caramba! Que criatividade! Migudo? O que dizer disso? O fato é que só ele usava esse apelido. Não pegou! Tipo lei no Brasil. Aí ele sacou um “Guegué” do seu “saco de apelidos” e a turma entrou na parada! Hoje, até o marido chama a ela por esse apelido.
E depois de seis filhos, para fechar com chave de ouro, nada melhor que um casal de gêmeos, não é?
Não para o Cláudio que foi o único que ficou sem apelido. Seu dito, manco por conta de uma paralisia infantil, se penalizou do claudicante. Ou, quem sabe,ele tenha gasto a mais com a Márcia. Ou, ainda, ficou receoso de dar alguma mancada.
Mas, para a Ana Lúcia surgiu um “Togodo” que, como os anteriores,  não dava pistas da origem.  Também não pegou. Aí, graças a uma música do Nat King Cole chamada Cachito, a qual eu cantava para niná-la, ela virou Cachita. O apelido evoluiu e ela virou Tita. Ostenta até hoje.
Márcia e Sílvia também eram tratadas por “as Regininhas”.
Cláudio e a Tita, por com da minha avó materna, eram os “periquitinhos da vovó”. Uma heresia numa casa de corinthianos! Mancada com o Cláudio!
Lá pelo final da década de 90, resolvi sacanear meus irmãos. Ligava para os empregos deles e  pedia por eles, só que com o apelido de infância. Fiz isso com a Guegué, o Tateco e com a Cotota. Sempre igual:
“Quem?” diziam.
E eu  “ah! Desculpe esse é o apelido aqui de casa.”
Pronto! A coisa se espalhava. Os interlocutores os chamavam pelo apelido em voz alta no meio da seção!
Quando fiz isso com a Sílvia pensei logo “ela vai dar o troco”. Liguei para a telefonista da empresa, Elisângela, e disse: “Minha irmã quer aprontar comigo, ele vai ligar e perguntar pelo Rala-rala, transfira direto para o meu ramal. Minutos depois meu ramal toca e a telefonista  diz
“ligação para o Rala-rala.”
 Eu atendo: “Rala-rala, bom dia!”.
Só ouço um “F.D.P.!”.
É isso. Legados, de uma infância feliz, deixados por um homem que carregou uma austeridade excessiva que, todavia, não conseguiu mascarar seu carinho e bom humor. Longa vida ao meu velho que hoje nos contempla com um ar de serviço bem feito.      

quinta-feira, 28 de março de 2013

O morrer nosso de cada dia


Antigamente,
pensava em viver mais.

Depois,
pensei em viver o suficiente,

Ontem,
pensava em não morrer.

Hoje,
penso em não morrer tanto.

sábado, 23 de março de 2013

"Do Berço"

Para Rita Moraes
Noites dessas, estava eu “cronicando” por aqui e ouvindo Eric Clapton. 

Havia reencontrado o CD From the Cradle e estava em carga total com ele. Como um adolescente que compra o álbum de sua banda preferida.
No vai e vem das ondas da internet, descobri que havia emprestado o CD para a Rita, em tempos passados, e que ela fizera uma cópia. Ela me devolvera o CD. E eu não sabia mais onde ele estava. Pensava que algum “claptomaníaco” me havia subtraído-o. Desculpem o trocadilho (a gente tem mesmo que se desculpar pelos trocadilhos? – gosto tanto!).

Enfim, pensava aqui com meus botões sobre os amores.

Eu nunca fui dado ao amor, mas, como diria Nelson Gonçalves em Vermelho 27, estou mais para amores. Cada um dita sua sina.

E como amei esse álbum do Clapton. Ele traz canções tradicionais do Blues compostas 
pelos primeiros “bluesmans”. Por isso o “Do Berço”.  Curti cada acorde de cada música. 

Entretanto, isso não impediu de curtir, por exemplo, o primeiro álbum de “O Cordel do Fogo Encantado”, uma mistura de teatro, maracatu, poesia e teatro como se fosse um novo caso.
Aí me voltei para minha amiga Rita que conheci na faculdade com 17 anos, perto dos seus 1,50m e com uma matraca aguda que parecia um solo de blues.  Só que alegre. Uma criança. A  mim,  parecia ter saído há pouco “do berço”. Acabamos nos envolvendo, envoltos em atmosferas, quase que exclusivamente, festivas.

Ela me trouxe os sorrisos que roubou do Chico ( o Buarque). E eu não recusei. Copiou meu CD do Clapton e nem notei. E dançamos, com uma graça, tal, que nem o cantor poderia supor.
Semanas atrás reencontrei a Rita. E percebi que ela sempre fará parte dos meus amores. 
Assim como o CD do Clapton, que encontrei há alguns dias.

E, por isso, prefiro os amores. Eles são eternos como as ondas. Vão e vem. E Se renovam. E se reafirmam.

Diferentes do amor, que parece  mais com aquela banda da nossa adolescência, que só fazia sentido naquele momento.

sexta-feira, 22 de março de 2013

"Noites Avulsas"



Nas fugas das noites malucas,

canudos, poeira.

Teu cheiro aceso tinge um rosto alegre,

falseado, inebriado e fugaz.

Confunde teu brilho com o planeta

que gira ao redor

de uma moça que canta

e transporta você de viagem em viagem.

Do cume do mundo ao seio da terra.

Cansada,

se deita e olha.

Não vê.

Irônica, solta palavras ao vento

que sai das narinas de um sono

sonoro e profundo,

continuando tua fuga

em outras paragens.

A nota, a ponta e o cálice

aguardam em silêncio o teu retorno,

na próxima noite.

Texto escrito e publicado, originalmente,
 em 2006 e dedicado a Werônica Pradella


Eu e meus Joões


No natal de 1980 eu ganhei um gravador Sharp dos meus pais. Presente caro. Não sei em quantas prestações eles pagaram. Foi um dos presentes que mais curti na minha vida. Virou amigo inseparável.

Surgiram as primeiras experiências como testes de voz;  deixar o gravador no “REC” e me ausentar para, depois, ouvir o que foi dito - me sentia um agente secreto; gravar músicas ou falas no rádio ou TV, entre outras.

Não conhecia aqueles esquemas de conectar na saída de outro aparelho na entrada do gravador para poder gravar as músicas.  E, mesmo que eu os conhecesse, os aparelhos de tínhamos em casa não tinham essas saídas. Aliás, não tinha nenhuma saída que não o autofalante.  Único e mono. Para ser redundante.

Então, fazia as gravações aproximando o microfone ao autofalante.

O ano, como já disse, era 1980. John Lennon acabara de morrer, papa João Paulo estivera no Brasil, Aitolá Khomeini subirá ao poder, Reagan era “nosso presidente” e a ditadura militar regente dava ares que explodiria para não ter que se implodir.  Claro que eu, aos 13, não percebia nada disso. No máximo, sentia o que a TV me mandava sentir. E no momento era adorar (“só se pode adorar  Nossa Senhora”, diria meu pai) o papa e lamentar a morte de John.

Fiquei com os dois. Encantei-me com os Joões.  Pré-adolescente, criado na igreja católica e ouvindo Beatles “desde sempre” não podia dar outra coisa. Poderia afirmar que João e Paulo seria uma homenagem aos Beatles.

Na primeira fita, Basf de plástico preto com rótulo laranja, a primeira música gravada foi “Imagine”.  Seguiam-se outras canções que não me lembro.

Do outro lado da fita, falas do papa João Paulo II: “O papa não vos esquecerá nunca mais”. E, de quebra, o hino religioso “a benção João de Deus”.

Imagine você que Lennon e papa eram coisas opostas que, no meu mundo, naquele momento, encaixavam-se perfeitamente, à despeito da declaração que John fizera, dizendo que os Beatles era mais famosos que Jesus Cristo.

O tempo passou e os Joões entraram para a história.
John (sim, me sinto íntimo – ele fala comigo nas canções e na postura de vida) virou um ícone maior do que era em vida. Hoje ele representa o feminismo, a luta pela paz, a não-religião,  o olhar fraterno, além, claro, das canções dos Beatles e das suas.

O papa João Paulo uma teve longa carreira conservadora, onde entrou em embates com as estruturas modernas, pregou contra o uso da camisinha, contra o homossexualismo, contra o aborto e outras tantas posturas ultrapassadas, como meu velho gravador  que, hoje, é peça de museu.

Ele poderia ter se inspirado em John. E em Paul. E seria uma bela parceria. Um John Paul com toda mudança que John e Paul trouxeram ao nosso mundo. Mas, preferiu ser só mais um outro João.

Quanto a mim, você poderia dizer que sou um sonhador. Eu te diria, que não sou o único e que espero um mundo melhor. No mais, não gravo mais nada, pois não quero ser assíncrono. E, prefiro um bom Gin inglês à velha Vodka polaca.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Paladares


Lambi tua boca muda
que escorria do chantilly
e senti o gosto das palavras doces,
já amanhecidas, 
que foram desditas.
Percebi que não há mais
remédio para nós,
só o sabor  dele.
V. Klenk - 2006                       

terça-feira, 19 de março de 2013

Flash Back


Você apareceu tão bonita,
tão reluzente naquela árvore.
Era uma manhã de sol
e eu não tinha mais que 17.
Colhi você e pus ao sol
esperando pacientemente
que secasse.
Triturei-a e coloquei-a num coador
enquanto a água fervia.
Bebi-a sem açúcar nem adoçante
saboreando sua essência amarga
enquanto olhava distraidamente
a fumaça do cigarro.
A borra, joguei no lixo da cozinha.
Vez ou outra,
ainda sinto seu amargor em minha boca
e temo ter sido displicente contigo.

Postagem recuperada do blog valterklenk.zip.net de 2006

domingo, 17 de março de 2013

Tentando entender o Êxodo

Fui ler o Êxodo e tentar  entender alguns versículos:

Quando comprares um escravo hebreu, ele servirá seis anos; no sétimo sairá livre, sem pagar nada.
              Podemos ter escravos (Quando será que custa? Não estou a fim de trabalhar mais);
              Se ele for hebreu (judeu) será alforriado, compulsoriamente, no sétimo ano. (Acho que vou virar judeu!);

Se entrou sozinho, sozinho sairá; se tiver mulher, sua mulher partirá com ele.
              Se o escravo tiver filho de uma mulher dada pelo seu senhor ele não pode levá-los quando for libertado (Nem queria mesmo...);

Mas, se foi o seu senhor que lhe deu uma mulher, e esta deu à luz filhos e filhas, a mulher e seus filhos serão propriedade do senhor, e ele partirá sozinho. Porém, se o escravo disser:  ‘Eu amo meu senhor, minha mulher e meus filhos; não quero ser alforriado’ seu senhor o levará então diante de Deus e o fará aproximar-se do batente ou da ombreira da porta, e furar-lhe-á a orelha com uma sovela; desta sorte o escravo estará para sempre a seu serviço.
                O escravo tem o “direito” de abdicar da liberdade e ficar com sua mulher e filhos, desde que seja escravo para sempre (Não é o verdadeiro amor supremo?);
 
Se um homem tiver vendido sua filha para ser escrava, ela não sairá em liberdade nas mesmas condições que o escravo.
              Os pais podem vender as filhas como escravas. (Poxa, tenho duas! Acho que vou trocar de carro e comprar uma TV nova? Será que elas valem tanto?);
              Como já é de praxe, a mulher não tem os mesmos direitos dos homens (de onde será que tiraram isso? Nem imagino!);

Se desagradar ao seu senhor, que a havia destinado para si, ele a fará resgatar; mas não poderá vendê-la a estrangeiros depois de lhe ter sido infiel.
•       Se a destinar ao seu filho, tratá-la-á segundo o direito das filhas.
•       Pode-se dar a filha a um filho (Claro, o homem sempre manda!);

Se tomar outra mulher,não diminuirá nada à primeira, quanto à alimentação, aos vestidos e ao direito conjugal.
                O homem pode ter mais de uma mulher, mas não pode faltar à primeira (Tem que comparecer, meu filho!);

Se lhe recusar uma destas três coisas, ela poderá partir livre, gratuitamente, sem pagar nada.
              Se faltar algo à mulher ela pode ir embora sem pagar nada (E essa merda de estado laico que ainda nos obriga a pagar pensão...);

Aquele que ferir mortalmente um homem, será morto.
•         Se ferir um homem, será morto (Nova versão de Talião: olho por olhos!);

Porém, se nada premeditou, e Deus o fez cair em suas mãos, eu lhe fixarei um lugar onde possa refugiar-se.
              Se não houve premeditação, tem direito a um esconderijo (Hoje também é assim, pode-se esconder na prisão);

Mas, se alguém, por maldade, armar ciladas para matar o seu próximo, tirá-lo-ás até mesmo do meu altar, para matá-lo.
              Se o assassino armou uma cilada, pode matar o cidadão, mesmo que ele esteja na igreja (E se deus perdoar, pode ainda?);

Aquele que ferir seu pai ou sua mãe será morto.
•         (Viu, Suzane von Richthofen, que sorte viver sob um estado laico?)

Aquele que furtar um homem, e o tiver vendido, ou se este for encontrado em suas mãos, será morto.
              Se você sequestrar um homem e o vender será morto (Ahh! Não conta o final da novela...);

Quando, em uma contenda entre dois homens, um dos dois ferir o outro com uma pedra ou com o punho, sem matá-lo, mas o obrigar a ficar de cama aquele que feriu não será punido, se o outro se levantar e puder passear fora com seu bastão. Mas indenizá-lo-á pelo tempo que perdeu e os remédios que gastou.
              Brigou? Feriu? Vai ter que indenizar os dias parados! (será que vale para o futebol?)

Se um homem ferir seu escravo ou sua escrava com um bastão, de modo que ele morra sob sua mão, será punido. Se o escravo, porém, sobreviver um dia ou dois, não será punido, porque ele é propriedade do seu senhor.
              Se matarem seu escravo você pode matá-lo. Se o escravo sobreviver por pelo menos dois dias, o dono na pode assassinar o assassino, porque o escravo é seu (Hã! Não entendi! Repete!);

Repetindo: Se matarem seu escravo você pode matá-lo. Se o escravo sobreviver por pelo menos dois dias, o dono na pode assassinar o assassino, porque o escravo é seu.
            •              (Ah! Entendi. Não há explicação porque é uma palavra sagrada);

Bem, acho que dá muito trabalho ter escravos. Prefiro a lógica capitalista de pagar menos pelo trabalho do que ele realmente vale.

sábado, 16 de março de 2013

Para além do amor próprio


Para Anitsa Klenk
Se essa tristeza no olhar,
Molhar a certeza do amor,
Talvez te faça só remoçar,
roçar o coração co'uma flor

Se esse sorriso incerto,
de perto parecer inocente
Quem sabe seja só um grito,
que erudito, se deseja silente

Se essa porção indefinida
de vida, que pulsa intensa
Por mais que pareça pequena
em cena, seja mais do que pensa

E, se só lhe resta essa cara,
Como máscara, meu rosto se torna seu  
Se é essa a sina a que me presto
que seu resto, então, seja eu.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Pela lente


Não te faço,
retrato,
foto,
grafo,
imagino,
imagem,
vertigem.

Teu eu exposto,
reinvento,
desenho,
te tenho,
te vejo,
suponho,
registro.

Te gosto,
te sonho,
recrio,
te dirijo,
digiro,
desinteresso,
detesto.

Te enquadro,
te corto,
recorto,
desconstruo,
desfoco,
te chamo,
te amo!

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Santa Maria (Tragédia em 3 atos)


1º. Ato
Do riso faz-se a apreensão
Da apreensão, o  tumulto
Espaços se fecham
Corpos se chocam
Gritos enfumaçados
Carne queimando
Desespero
Árdua luta
Ar de  menos
Arde muito
A porta
A saída
A última ilusão de vida

2º. Ato
Os alarmes, alertas,
Bombeiros, mangueiras, água
Os esforços
O doar-se
As tentativas
A parede quebrada
Corre-corre, aflição
Macas, ambulâncias, sirenes
A Esperança
As remoções
Os sobreviventes
As vítimas
O ginásio vazio
O ginásio lotado
O reconhecimento
A dor lancinante

3º. Ato
As manchetes
A repercussão
A comoção social
As entrevistas
O inquérito
[entra um batuque de caixa de fósforos]
As prisões
[Pandeiros, cuíca, reco-reco]
A necessidade de respostas à sociedade
[O samba-enredo, a avenida, os foliões]
...
A tristeza já não cabe mais
É carnaval
Alegria
Nesse dia, ninguém chora.
Na terra de Santa Cruz,
A apoteose é linda.
V. Klenk – 28/02/2013

sábado, 2 de fevereiro de 2013

O Jogo da Taverna


O ano era 1989. Eu trabalhava em um bar no centro de Barueri, mais precisamente, no bar do Rodolfo, que tinha herdado o negócio do pai. No centro, todos conheciam o comércio como “o bar dos italianos”.
Eu fizera uma espécie de arrendamento onde a administração era minha, porém, não era proprietário do negócio. Assim tinha uma participação nos lucros. Já era cliente antes de assumir o bar (fato que ocorreria outras duas vezes na vida) e conhecia bem a clientela.
O local era pequeno,  mas abrigava um parque de diversões para aqueles senhores aposentados que passavam a maior parte do dia na jogatina: Bilhar, truco, caxeta e toda a sorte de jogos de lógica e pegadinhas.  Havia também um público flutuante que frequentava o local para “tomar uma para abrir o apetite (tem uns que tem o apetite difícil de abrir...)”, jogar um pouco ou bater papo.
Dentre os frequentadores, gostaria de destacar três:
Benedito Adherbal Farbo – advogado da câmara, Nini, como era conhecido, costumava passar no local pela manhã, na hora do almoço e entrava na jogatina após o serviço. Tinha currículo extenso: vereador, fundador e proprietário do Jornal D’Oeste, poeta, ator, promotor cultural, fundador do carnaval de rua da cidade, fundador do grupo TEMPO (teatro, música e poesia), tinha 3 livros publicados (sobre a cidade de Barueri), disco gravado (com poesia), mas era, fundamentalmente, um tirador de sarro. O maior que já conheci.  
Sr. Silvério – aposentado. De mente aguda e olhos sempre atentos, Silvério, não perdia nenhum detalhe. Fora secretário municipal na gestão de Guilherme Guglielmo, o Perereca, e um dos responsáveis pela isenção de impostos às empresas que se instalassem no recente bairro de Alphaville. Era o mais erudito. Tocava piano e contava as histórias das óperas e clássicos que colocava para tocar no gravador do bar (ele trazia as fitas gravadas),  sob protesto da maioria.
Armando Torloni – engenheiro – Trabalha em uma empresa na Chácara Marco (que a Benfica insiste em chamar de Marcos) e começou a frequentar o local na hora do almoço. Tomava uma ou duas aguardentes com “uma triscadinha de Cynar para dar cor”. Era muito refinado, na sua simplicidade. Usava corretamente as palavras e falava pausadamente. Dizia-se tio da atriz global Cristiane Torloni.
Não sei quem apareceu com um jogo de palavras que era muito instrutivo, além de ser uma espécie de xadrez de palavras misturado com truco. Creio que o responsável foi o Nini . O fato é que começamos a jogar diariamente. Eu, o Nini e o Silvério. Ríamos muito com as “fechadas de palavras” que dávamos.  Nossa diversão chamou a atenção do Armando que, rapidamente, se juntou ao grupo.
Silvério trouxe um dicionário Lello para dirimir as dúvidas quando as palavras fugiam do vocabulário usual (o que era corriqueiro). Eu comecei a buscar, escondido, palavras “esdrúluxas” para enriquecer meu vocabulário e me armar para as batalhas.   
Passaram-se semanas e o jogo foi perdendo a graça. Pelo excesso. Silvério foi o primeiro que abandonou o jogo, tornando-se observador. Logo depois, Nini resolveu trocá-lo, ora pelo carteado, ora pela sinuca.
Na mão contrária, Armando começou a ficar cada vez mais no bar. Primeiro, começou a estender o horário de almoço, depois, passou a chegar no bar pela manhã e só ia trabalhar depois do almoço.
Eu estava ficando preocupado com ele. Pensava: “Tem mais de 60 anos, se perder o emprego é difícil arranjar outro...”. Não obstante, também estava me enchendo de jogar. Comecei a inventar desculpas ou fazer parceria para alguém que estava querendo jogar sinuca e não tinha adversário (é comum donos de bares fazerem esse “sacrifício” pelo freguês). Armando, recostado no balcão, com voz súplica, pedia para que eu jogasse dali mesmo. Ficava com dó dele e acabava jogando. Ele anotando no papel e eu formando a palavra na minha cabeça, enquanto dava minhas tacadas.
Acabei por sair do bar. Nini, meu guru em sacanear pessoas, faleceu alguns anos depois. Silvério, hoje com quase 90 anos, não sai mais de casa. Umas semanas atrás, eu tive a grata surpresa de incluí-lo como amigo no Facebook (!). O incentivo foi de sua neta que é minha amiga e fizemos peças de teatro juntos.
Armando sumiu. Nunca mais tive notícias.
Uns quinze anos depois, no Cyber bar (que eu viria a ser sócio – é um vício, meu), de propriedade da Keia Mendes, ressuscitei o jogo.  O bar era uma Lan house e casa noturna que tinha seu maior movimento nos finais de semana.
Nessa época, eu e meus amigos Marcelo Arruda, César Mello, Aluísio Reis e Rui Ricardo fazíamos uma espécie de Sarau mensal denominado Noite na Taverna. Quando o “Noite” começou, era apresentado em outro bar, que acabou fechando e a Keia acolheu o evento no seu bar.
Como estávamos muito empolgados dedicávamos muita atenção e esforço ao evento. Criamos o Manifesto do Noite na Taverna e a Canção da Taverna. E, como o jogo de palavras (do Nini) não tinha nome, foi batizado de Jogo da Taverna. E faz todo sentido chamá-lo assim, afinal, é um jogo de bar.
Enfim, para jogá-lo é simples:
Precisa de:
·         Uma caneta
·         Uma folha de papel
·         Dois jogadores ou mais. Quanto mais, melhor.
O jogo é iniciado quando um dos jogadores escreve uma letra em um papel. O jogador seguinte coloca outra e assim por diante. Pode-se colocar letras à esquerda ou à direita. O objetivo é NÃO FORMAR A PALAVRA. Quem  a formar, perde.
Cada mão vale um ponto negativo ao perdedor. Se houver impugnação, o perdedor perde 2 pontos. Quem tiver mais pontos negativos perde o jogo. Deve ser combinada a pontuação final no início do jogo. Só valem palavras da língua portuguesa (pode-se incluir outras línguas, claro). Não valem diminutivos, aumentativos ou nomes próprios (para não empobrecer o jogo). O dicionário diz a palavra final nas contendas.
Exemplo, com três jogadores:
Jogador A coloca a letra M:
   M   
O jogador B coloca a letra A à esquerda:
   AM   
Se o jogador C colocar a letra A à direita ele forma a palavra AMA e perde à mão. Então ele resolve colocar um T depois do M:
   AMT   
É a vez do jogador A, novamente. Ele olha e pensa “na língua portuguesa, as únicas consoantes que vêm após o M são o B e o P.” Ou seja, não existe palavra com essa seqüência. Nesse caso, quando o jogador não sabe a palavra ele tem três opções:
  1. Desistir e perder a mão – Ele simplesmente desiste. Isso pode acontecer quando ele não ache outra saída que não formar a palavra, ou quando não tem certeza se a palavra existe e não quer se arriscar a perder dois pontos, impugnando o jogador anterior.
  2. Impugnar o jogador anterior – Quando o jogador suspeita da existência da palavra, ele impugna o jogador anterior. Este deve dizer a palavra que pensou. Se existir o impugnador perde dois pontos. No caso contrário, o impugnado é quem perde.
  3. Colocar qualquer letra e seguir adiante – Este recurso é uma malandragem. Passa-se o jogo adiante esperando não ser impugnado. O caso é que você pode ter herdado a herança maldita e o próximo jogar faça a impugnação a você. Nini e César Mello são os grandes nomes mundiais na utilização desse recurso.

 Jogávamos nos dias em que o bar estava tranquilo, com nossas cervejas e whiskies à mão. Outros amigos juntaram-se e participaram do jogo (tivemos a ilustre presença de Décio Trujilo que, como bom jornalista, é um vernáculo ambulante e enriquecia as disputas).
E foram as últimas vezes que joguei esse jogo, que tem características peculiares como o uso do blefe, a preparação de armadilhas imaginando jogadas à frente e, claro, o conhecimento da língua. Preciso arrumar um parceiro para jogá-lo. Saudades do Armando.