domingo, 8 de março de 2020

O monstruoso macho que nos habita


A cada oito de março vemos uma enxurrada de “homenagens” expostas em frases feitas, delicadas e pueris! Políticos e candidatos em ano de eleições fazem postagens e penduram faixas nas ruas exaltando as mulheres. De outro lado, há também vários chamados à luta pela defesa da igualdade de direitos entre mulheres e homens. Estes últimos levam o famigerado carimbo de “feministas”.

Não há nada a se comemorar! Ao contrário, esse dia deveria ter, e tem, o peso de um dia de finados. Os avanços obtidos nos últimos anos estão retroagindo a passos largos, os números de feminicídios e agressões às mulheres só aumentam, as oportunidades para as mulheres diminuem e uma mulher quando sai de casa, por qualquer motivo, só pensa em uma coisa: voltar ilesa!

Viver em uma sociedade machista e patriarcal não é tarefa fácil, muito menos tranqüila, para as mulheres, sejam cis ou trans. A palavra correta seria sobreviver.  Sobreviver à violência moral, física e psicológica observada nos assédios, nos estupros, na subserviência e submissão impostas, nos direitos tirados ou não concedidos, no tratamento desigual, nos salários e oportunidades menores ou simplesmente em ser apenas um pedaço de carne servido a todos e a qualquer momento.

Tudo isso vem de uma estrutura social milenar que é amparada por práticas políticas, sociais e religiosas e que garantem privilégios a um lado, em detrimento do outro. Basicamente, observam-se em todas as sociedades esses padrões que tornam o ser humano feminino em sub-humano. E uso, aqui, a palavra “feminino” porque é ela que é o objeto dessa condição. Gays masculinizados também tratam os gays feminilizados como sub-humanos.  

Ao longo da história, a luta para que as mulheres sejam alçadas à condição de seres “humanas” (até na linguagem elas são preteridas!) traz verdadeiras heroínas, mas muito mais mártires. E se há a justa necessidade de que se tomem as ruas e se ocupem todos os meios para que o grito de igualdade nunca pare, há outro combate contra um inimigo mais sorrateiro que deve ser travado, de fora para dentro, contra o macho que nos habita.

Todo menino sofre uma carga enorme de ensinamentos sobre seu papel na sociedade e de como ele deve agir e se comportar. Espera-se dele, ser forte, não chorar, ser macho, proteger a mulher, ser seu mentor e provedor. Meninos não podem ter qualquer comportamento que caracterize uma atitude feminina. Cruzou as pernas? Hummm... Sei não! Fala com delicadeza?  Isso aí não é homem! Cedeu ao não da menina? Bicha! Dançou sensualmente? Que isso, rapaz?

Meninos não podem simplesmente ser o que eles quiserem sob o risco de serem estigmatizados como frágeis, o que os aproximariam das meninas, perdendo seu lugar no panteão patriarcal. Todo menino, em algum momento de sua vida, já foi questionado sobre o uso de uma postura ou atitude que é do universo feminino. O que nos mostra, ou deveria mostrar, o quão terrível é ser mulher. E o quanto monstruoso é o universo masculino.

Alguém escreveu em algum que lugar que os homens têm dois caminhos nos dias atuais: Ou se desconstroem, ou apodrecem.  Não é fácil entrar em um processo de desconstrução. Tem que se desligar todos os alertas de que sua masculinidade está sendo fragilizada e ligar os alertas da humanização. Ficar atento para não ter nenhuma atitude machista. E mesmo assim, a gente escorrega! E como escorrega! E é tão bom quando nos envergonhamos disso. Pois nos mostra que, apesar do erro, estamos no caminho certo, nosso lado humano está ligado.

Algumas vertentes mais radicais do feminismo reivindicam essa luta para elas, já que detém o lugar de fala. Entendo que as mulheres devam encabeçar a luta externa, mas sem desprezar os apoios. Pois a guerra pela igualdade é muito grande e longa. Por outro lado, é imprescindível que o homem participe da luta interna, já que ele é o objeto de desconstrução. Ou se luta em conjunto, ou pela eliminação do homem e não do ideal machista. Eu sei que muitas optarão pela primeira opção, mas não acho que colocando pessoas em lados opostos construiremos uma sociedade melhor.

Não há nada a comemorar! Há uma grande luta pela frente! Desconfiem das homenagens que reafirmam o machismo e a condição sub-humana da mulher!  

Um comentário:

  1. Maravilhoso texto...muito atual e instigador à reflexão para o caminho que ainda temos pela " frente".

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