A
cada oito de março vemos uma enxurrada de “homenagens” expostas em frases
feitas, delicadas e pueris! Políticos e candidatos em ano de eleições fazem
postagens e penduram faixas nas ruas exaltando as mulheres. De outro lado, há
também vários chamados à luta pela defesa da igualdade de direitos entre
mulheres e homens. Estes últimos levam o famigerado carimbo de “feministas”.
Não
há nada a se comemorar! Ao contrário, esse dia deveria ter, e tem, o peso de um
dia de finados. Os avanços obtidos nos últimos anos estão retroagindo a passos
largos, os números de feminicídios e agressões às mulheres só aumentam, as
oportunidades para as mulheres diminuem e uma mulher quando sai de casa, por
qualquer motivo, só pensa em uma coisa: voltar ilesa!
Viver
em uma sociedade machista e patriarcal não é tarefa fácil, muito menos tranqüila,
para as mulheres, sejam cis ou trans. A palavra correta seria sobreviver. Sobreviver à violência moral, física e
psicológica observada nos assédios, nos estupros, na subserviência e submissão
impostas, nos direitos tirados ou não concedidos, no tratamento desigual, nos
salários e oportunidades menores ou simplesmente em ser apenas um pedaço de
carne servido a todos e a qualquer momento.
Tudo
isso vem de uma estrutura social milenar que é amparada por práticas políticas,
sociais e religiosas e que garantem privilégios a um lado, em detrimento do
outro. Basicamente, observam-se em todas as sociedades esses padrões que tornam
o ser humano feminino em sub-humano. E uso, aqui, a palavra “feminino” porque é
ela que é o objeto dessa condição. Gays masculinizados também tratam os gays
feminilizados como sub-humanos.
Ao
longo da história, a luta para que as mulheres sejam alçadas à condição de seres
“humanas” (até na linguagem elas são preteridas!) traz verdadeiras heroínas,
mas muito mais mártires. E se há a justa necessidade de que se tomem as ruas e
se ocupem todos os meios para que o grito de igualdade nunca pare, há outro
combate contra um inimigo mais sorrateiro que deve ser travado, de fora para
dentro, contra o macho que nos habita.
Todo
menino sofre uma carga enorme de ensinamentos sobre seu papel na sociedade e de
como ele deve agir e se comportar. Espera-se dele, ser forte, não chorar, ser
macho, proteger a mulher, ser seu mentor e provedor. Meninos não podem ter
qualquer comportamento que caracterize uma atitude feminina. Cruzou as pernas?
Hummm... Sei não! Fala com delicadeza? Isso
aí não é homem! Cedeu ao não da menina? Bicha! Dançou sensualmente? Que isso,
rapaz?
Meninos
não podem simplesmente ser o que eles quiserem sob o risco de serem
estigmatizados como frágeis, o que os aproximariam das meninas, perdendo seu
lugar no panteão patriarcal. Todo menino, em algum momento de sua vida, já foi
questionado sobre o uso de uma postura ou atitude que é do universo feminino. O
que nos mostra, ou deveria mostrar, o quão terrível é ser mulher. E o quanto
monstruoso é o universo masculino.
Alguém escreveu em algum que lugar que os
homens têm dois caminhos nos dias atuais: Ou se desconstroem, ou apodrecem. Não é fácil entrar em um processo de
desconstrução. Tem que se desligar todos os alertas de que sua masculinidade
está sendo fragilizada e ligar os alertas da humanização. Ficar atento para não
ter nenhuma atitude machista. E mesmo assim, a gente escorrega! E como
escorrega! E é tão bom quando nos envergonhamos disso. Pois nos mostra que,
apesar do erro, estamos no caminho certo, nosso lado humano está ligado.
Algumas
vertentes mais radicais do feminismo reivindicam essa luta para elas, já que
detém o lugar de fala. Entendo que as mulheres devam encabeçar a luta externa,
mas sem desprezar os apoios. Pois a guerra pela igualdade é muito grande e
longa. Por outro lado, é imprescindível que o homem participe da luta interna,
já que ele é o objeto de desconstrução. Ou se luta em conjunto, ou pela eliminação do homem e não
do ideal machista. Eu sei que muitas optarão pela primeira opção, mas não acho
que colocando pessoas em lados opostos construiremos uma sociedade melhor.
Não
há nada a comemorar! Há uma grande luta pela frente! Desconfiem das homenagens
que reafirmam o machismo e a condição sub-humana da mulher!
Maravilhoso texto...muito atual e instigador à reflexão para o caminho que ainda temos pela " frente".
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