sexta-feira, 22 de março de 2013

Eu e meus Joões


No natal de 1980 eu ganhei um gravador Sharp dos meus pais. Presente caro. Não sei em quantas prestações eles pagaram. Foi um dos presentes que mais curti na minha vida. Virou amigo inseparável.

Surgiram as primeiras experiências como testes de voz;  deixar o gravador no “REC” e me ausentar para, depois, ouvir o que foi dito - me sentia um agente secreto; gravar músicas ou falas no rádio ou TV, entre outras.

Não conhecia aqueles esquemas de conectar na saída de outro aparelho na entrada do gravador para poder gravar as músicas.  E, mesmo que eu os conhecesse, os aparelhos de tínhamos em casa não tinham essas saídas. Aliás, não tinha nenhuma saída que não o autofalante.  Único e mono. Para ser redundante.

Então, fazia as gravações aproximando o microfone ao autofalante.

O ano, como já disse, era 1980. John Lennon acabara de morrer, papa João Paulo estivera no Brasil, Aitolá Khomeini subirá ao poder, Reagan era “nosso presidente” e a ditadura militar regente dava ares que explodiria para não ter que se implodir.  Claro que eu, aos 13, não percebia nada disso. No máximo, sentia o que a TV me mandava sentir. E no momento era adorar (“só se pode adorar  Nossa Senhora”, diria meu pai) o papa e lamentar a morte de John.

Fiquei com os dois. Encantei-me com os Joões.  Pré-adolescente, criado na igreja católica e ouvindo Beatles “desde sempre” não podia dar outra coisa. Poderia afirmar que João e Paulo seria uma homenagem aos Beatles.

Na primeira fita, Basf de plástico preto com rótulo laranja, a primeira música gravada foi “Imagine”.  Seguiam-se outras canções que não me lembro.

Do outro lado da fita, falas do papa João Paulo II: “O papa não vos esquecerá nunca mais”. E, de quebra, o hino religioso “a benção João de Deus”.

Imagine você que Lennon e papa eram coisas opostas que, no meu mundo, naquele momento, encaixavam-se perfeitamente, à despeito da declaração que John fizera, dizendo que os Beatles era mais famosos que Jesus Cristo.

O tempo passou e os Joões entraram para a história.
John (sim, me sinto íntimo – ele fala comigo nas canções e na postura de vida) virou um ícone maior do que era em vida. Hoje ele representa o feminismo, a luta pela paz, a não-religião,  o olhar fraterno, além, claro, das canções dos Beatles e das suas.

O papa João Paulo uma teve longa carreira conservadora, onde entrou em embates com as estruturas modernas, pregou contra o uso da camisinha, contra o homossexualismo, contra o aborto e outras tantas posturas ultrapassadas, como meu velho gravador  que, hoje, é peça de museu.

Ele poderia ter se inspirado em John. E em Paul. E seria uma bela parceria. Um John Paul com toda mudança que John e Paul trouxeram ao nosso mundo. Mas, preferiu ser só mais um outro João.

Quanto a mim, você poderia dizer que sou um sonhador. Eu te diria, que não sou o único e que espero um mundo melhor. No mais, não gravo mais nada, pois não quero ser assíncrono. E, prefiro um bom Gin inglês à velha Vodka polaca.

Um comentário:

  1. Nunca tinha feito essa analogia de John & Paul e João Paulo, rs. Muito bom seu texto! Parabéns!
    P.S. Quando eu pedi um Walkman, meu pai me deu um desse (só que National) com uma bolsa de couro.

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