No natal de 1980 eu ganhei um gravador Sharp dos meus pais.
Presente caro. Não sei em quantas prestações eles pagaram. Foi um dos presentes
que mais curti na minha vida. Virou amigo inseparável.
Surgiram as primeiras experiências como testes de voz; deixar o gravador no “REC” e me ausentar para,
depois, ouvir o que foi dito - me sentia um agente secreto; gravar músicas ou
falas no rádio ou TV, entre outras.
Não conhecia aqueles esquemas de conectar na saída de outro aparelho
na entrada do gravador para poder gravar as músicas. E, mesmo que eu os conhecesse, os aparelhos de
tínhamos em casa não tinham essas saídas. Aliás, não tinha nenhuma saída que
não o autofalante. Único e mono. Para
ser redundante.
Então, fazia as gravações aproximando o microfone ao
autofalante.
O ano, como já disse, era 1980. John Lennon acabara de
morrer, papa João Paulo estivera no Brasil, Aitolá Khomeini subirá ao poder,
Reagan era “nosso presidente” e a ditadura militar regente dava ares que
explodiria para não ter que se implodir. Claro que eu, aos 13, não percebia nada disso.
No máximo, sentia o que a TV me mandava sentir. E no momento era adorar (“só se pode adorar Nossa Senhora”, diria meu pai) o papa e lamentar a morte de John.
Fiquei com os dois. Encantei-me com os Joões. Pré-adolescente, criado na igreja católica e
ouvindo Beatles “desde sempre” não podia dar outra coisa. Poderia afirmar que João e Paulo seria uma homenagem aos Beatles.
Na primeira fita, Basf de plástico preto com rótulo laranja,
a primeira música gravada foi “Imagine”. Seguiam-se outras canções que não me lembro.
Do outro lado da fita, falas do papa João Paulo II: “O papa
não vos esquecerá nunca mais”. E, de quebra, o hino religioso “a benção João de
Deus”.
Imagine você que Lennon e papa eram coisas opostas que, no
meu mundo, naquele momento, encaixavam-se perfeitamente, à despeito da
declaração que John fizera, dizendo que os Beatles era mais famosos que Jesus
Cristo.
O tempo passou e os Joões entraram para a história.
John (sim, me sinto íntimo – ele fala comigo nas canções e
na postura de vida) virou um ícone maior do que era em vida. Hoje ele
representa o feminismo, a luta pela paz, a não-religião, o olhar fraterno, além, claro, das canções dos
Beatles e das suas.
O papa João Paulo uma teve longa carreira conservadora, onde
entrou em embates com as estruturas modernas, pregou contra o uso da camisinha,
contra o homossexualismo, contra o aborto e outras tantas posturas
ultrapassadas, como meu velho gravador que, hoje, é peça de museu.
Ele poderia ter se inspirado em John. E em Paul. E seria uma
bela parceria. Um John Paul com toda mudança que John e Paul trouxeram ao nosso
mundo. Mas, preferiu ser só mais um outro João.
Quanto a mim, você poderia dizer que sou um sonhador. Eu te diria, que não sou o único e que espero um mundo melhor. No mais, não
gravo mais nada, pois não quero ser assíncrono. E, prefiro um bom Gin
inglês à velha Vodka polaca.
Nunca tinha feito essa analogia de John & Paul e João Paulo, rs. Muito bom seu texto! Parabéns!
ResponderExcluirP.S. Quando eu pedi um Walkman, meu pai me deu um desse (só que National) com uma bolsa de couro.