Benedito Serra, ou “Seo Dito”, como é conhecido é meu pai, completa 80 anos, nesse ano. Está com a saúde em ordem para essa idade. Não ouve
muito bem. Às vezes, parece que se faz de desentendido. Anda contemplativo,
como se observasse a modernidade à distância, mas, apesar de certo repúdio,
evita estresses desnecessários.
Seu Dito teve 8 filhos. Muito para hoje. Normal para a época
dos nascimentos.
Ele sempre foi dado a posturas sérias, obtidas através de
uma dura criação cristã e de roça, onde as crianças pediam “a benção” e não
questionavam os adultos.
Essa postura austera criou uma barreira de diálogo aberto com
os filhos (o rebelde aqui em primeiro lugar - suponho), que só foi minimizada
com os avanços do mundo e com o aumento das tolerâncias de todas as partes.
Entretanto, o Benê, como eu o chamo hoje, como sutil sacanagem
amistosa, era um pai que gostava de botar apelidos esdrúxulos e carinhosos nos
filhos. E haja apelido. Sobraram para alguns (no duplo sentido), faltou para
um.
Ao Sérgio, o primogênito, coube a inauguração do rol, com um
controverso “Buié”. Fico tentando imaginar de onde ele tenha tirado a alcunha.
Talvez de alguma tentativa de pronuncia de alguma palavra. O fato é que na
adolescência, por um fato peculiar, um amigo começou a chamá-lo de “bueiro”
que, com boa vontade, passa por premonição (toda premonição necessita de boa
vontade).
Quando a mim, virei “Paquilo Tequilo”! Não é chique? Apelido
e sobreapelido! Acho um luxo só! E como era o menor e mirrado, tudo ficou por
Paquilinho mesmo. Quer dizer, teria ficado se eu não fosse, desde pequeno, dado
a bulir com tudo que se apresentasse diante dos meus olhos. Aí, a portuguesa,
dona do armazém que viria a ser do meu pai, sentenciou: Rála-rála! E cresci
entre um e outro.
Em seguida veio o Carlos. O Guguinho! Luis Carlos versus
Guguinho não tem conexão nenhuma. Se fosse Gustavo, Gumercindo, Gusmão,
Gutembert... vá lá. Mas, não. Poderia ser alguma coisa com um eventual “Gugu dada”.
Contudo, desconheço, exceto nos desenhos animados e inanimados, alguma criança
que fala o tal “Gugu Dada”. O fato é que
minha filha Anitsa, trata o apelido como reflexo de “bebezinho” e, por vezes, a
ouvi dizendo à ele: “Mas é um Guguinho mesmo!”.
Depois veio o Eduardo que poderia ser Duda, Dudu, Edu,
Duduzinho e por aí vai. Ganhou apelido de príncipe: “Tateco Levado da Breca”.
Fala aí? O Benê se superou, né? Completíssimo. Eu até hoje o chamo assim. ‘Inda
uso um latinidade e pronuncio “Tatecus”.
Passaram três longos anos e nasce a primeira e desejada
menina. Sílvia Regina. De supetão, virou Cotota. Esse até cabe. Virou nossa
bonequinha. Cresceu Cotota. Quando adulta, virou Cots (Só para mim). Curiosidade: Temos um tia “Cote”
que nasceu na mesma data dela.
Veio a Marcia Regina. Virou Migudo. Caramba! Que
criatividade! Migudo? O que dizer disso? O fato é que só ele usava esse
apelido. Não pegou! Tipo lei no Brasil. Aí ele sacou um “Guegué” do seu “saco
de apelidos” e a turma entrou na parada! Hoje, até o marido chama a ela por
esse apelido.
E depois de seis filhos, para fechar com chave de ouro, nada
melhor que um casal de gêmeos, não é?
Não para o Cláudio que foi o único que ficou sem apelido.
Seu dito, manco por conta de uma paralisia infantil, se penalizou do
claudicante. Ou, quem sabe,ele tenha gasto a mais com a Márcia. Ou, ainda,
ficou receoso de dar alguma mancada.
Mas, para a Ana Lúcia surgiu um “Togodo” que, como os anteriores,
não dava pistas da origem. Também não pegou. Aí, graças a uma música do
Nat King Cole chamada Cachito, a qual eu cantava para niná-la, ela virou
Cachita. O apelido evoluiu e ela virou Tita. Ostenta até hoje.
Márcia e Sílvia também eram tratadas por “as Regininhas”.
Cláudio e a Tita, por com da minha avó materna, eram os “periquitinhos
da vovó”. Uma heresia numa casa de corinthianos! Mancada com o Cláudio!
Lá pelo final da década de 90, resolvi sacanear meus irmãos.
Ligava para os empregos deles e pedia por
eles, só que com o apelido de infância. Fiz isso com a Guegué, o Tateco e com a
Cotota. Sempre igual:
“Quem?” diziam.
E eu “ah! Desculpe esse
é o apelido aqui de casa.”
Pronto! A coisa se espalhava. Os interlocutores os chamavam pelo
apelido em voz alta no meio da seção!
Quando fiz isso com a Sílvia pensei logo “ela vai dar o
troco”. Liguei para a telefonista da empresa, Elisângela, e disse: “Minha irmã quer aprontar
comigo, ele vai ligar e perguntar pelo Rala-rala, transfira direto para o meu
ramal. Minutos depois meu ramal toca e a telefonista diz
“ligação para o Rala-rala.”
Eu atendo: “Rala-rala,
bom dia!”.
Só ouço um “F.D.P.!”.
É isso. Legados, de uma infância feliz, deixados por um
homem que carregou uma austeridade excessiva que, todavia, não conseguiu
mascarar seu carinho e bom humor. Longa vida ao meu velho que hoje nos
contempla com um ar de serviço bem feito.
Muito Bom,lembro do "seo"Dito com carinho.Parabéns aos 80 anos de vida.
ResponderExcluirQue fofo!! Nunca vi nada igual. O meu pai chamava minha irmã de Nega Preta qdo estava bravo com ela (meu pai praticando bullying com a mais morena kkk) e chamava meu irmão de Amarelo da Guaiana, tudo bem q ele é branquelo, but ....
ResponderExcluirObrigado, Riteen! Você é uma fofa!
ExcluirKKKKKK... És um F.D.P. mesmo!!!! Bela crônica!!!
ResponderExcluirAbs!
kkkkkkk me matei de rir ao ler sua crônica Valter! Eita pai criativo...
ResponderExcluirAmei! Me rendeu boas risadas... obrigada pelo momento bonito em tempos escuros! ☺️❤️
ResponderExcluirValeu, Mi! Seo Dito deixou saudades!
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