sexta-feira, 29 de março de 2013

Seu Dito e os apelidos de família



Benedito Serra, ou “Seo Dito”, como é conhecido é meu pai, completa 80 anos, nesse ano. Está com a saúde em ordem para essa idade. Não ouve muito bem. Às vezes, parece que se faz de desentendido. Anda contemplativo, como se observasse a modernidade à distância, mas, apesar de certo repúdio, evita estresses desnecessários.
Seu Dito teve 8 filhos. Muito para hoje. Normal para a época dos nascimentos.
Ele sempre foi dado a posturas sérias, obtidas através de uma dura criação cristã e de roça, onde as crianças pediam “a benção” e não questionavam os adultos.
Essa postura austera criou uma barreira de diálogo aberto com os filhos (o rebelde aqui em primeiro lugar - suponho), que só foi minimizada com os avanços do mundo e com o aumento das tolerâncias de todas as partes.
Entretanto, o Benê, como eu o chamo hoje, como sutil sacanagem amistosa, era um pai que gostava de botar apelidos esdrúxulos e carinhosos nos filhos. E haja apelido. Sobraram para alguns (no duplo sentido), faltou para um.
Ao Sérgio, o primogênito, coube a inauguração do rol, com um controverso “Buié”. Fico tentando imaginar de onde ele tenha tirado a alcunha. Talvez de alguma tentativa de pronuncia de alguma palavra. O fato é que na adolescência, por um fato peculiar, um amigo começou a chamá-lo de “bueiro” que, com boa vontade, passa por premonição (toda premonição necessita de boa vontade).
Quando a mim, virei “Paquilo Tequilo”! Não é chique? Apelido e sobreapelido! Acho um luxo só! E como era o menor e mirrado, tudo ficou por Paquilinho mesmo. Quer dizer, teria ficado se eu não fosse, desde pequeno, dado a bulir com tudo que se apresentasse diante dos meus olhos. Aí, a portuguesa, dona do armazém que viria a ser do meu pai, sentenciou: Rála-rála! E cresci entre um e outro.
Em seguida veio o Carlos. O Guguinho! Luis Carlos versus Guguinho não tem conexão nenhuma. Se fosse Gustavo, Gumercindo, Gusmão, Gutembert... vá lá. Mas, não. Poderia ser alguma coisa com um eventual “Gugu dada”. Contudo, desconheço, exceto nos desenhos animados e inanimados, alguma criança que fala o tal “Gugu Dada”.  O fato é que minha filha Anitsa, trata o apelido como reflexo de “bebezinho” e, por vezes, a ouvi dizendo à ele: “Mas é um Guguinho mesmo!”.
Depois veio o Eduardo que poderia ser Duda, Dudu, Edu, Duduzinho e por aí vai. Ganhou apelido de príncipe: “Tateco Levado da Breca”. Fala aí? O Benê se superou, né? Completíssimo. Eu até hoje o chamo assim. ‘Inda uso um latinidade e pronuncio “Tatecus”.
Passaram três longos anos e nasce a primeira e desejada menina. Sílvia Regina. De supetão, virou Cotota. Esse até cabe. Virou nossa bonequinha. Cresceu Cotota. Quando adulta, virou Cots  (Só para mim). Curiosidade: Temos um tia “Cote” que nasceu na mesma data dela.

Veio a Marcia Regina. Virou Migudo. Caramba! Que criatividade! Migudo? O que dizer disso? O fato é que só ele usava esse apelido. Não pegou! Tipo lei no Brasil. Aí ele sacou um “Guegué” do seu “saco de apelidos” e a turma entrou na parada! Hoje, até o marido chama a ela por esse apelido.
E depois de seis filhos, para fechar com chave de ouro, nada melhor que um casal de gêmeos, não é?
Não para o Cláudio que foi o único que ficou sem apelido. Seu dito, manco por conta de uma paralisia infantil, se penalizou do claudicante. Ou, quem sabe,ele tenha gasto a mais com a Márcia. Ou, ainda, ficou receoso de dar alguma mancada.
Mas, para a Ana Lúcia surgiu um “Togodo” que, como os anteriores,  não dava pistas da origem.  Também não pegou. Aí, graças a uma música do Nat King Cole chamada Cachito, a qual eu cantava para niná-la, ela virou Cachita. O apelido evoluiu e ela virou Tita. Ostenta até hoje.
Márcia e Sílvia também eram tratadas por “as Regininhas”.
Cláudio e a Tita, por com da minha avó materna, eram os “periquitinhos da vovó”. Uma heresia numa casa de corinthianos! Mancada com o Cláudio!
Lá pelo final da década de 90, resolvi sacanear meus irmãos. Ligava para os empregos deles e  pedia por eles, só que com o apelido de infância. Fiz isso com a Guegué, o Tateco e com a Cotota. Sempre igual:
“Quem?” diziam.
E eu  “ah! Desculpe esse é o apelido aqui de casa.”
Pronto! A coisa se espalhava. Os interlocutores os chamavam pelo apelido em voz alta no meio da seção!
Quando fiz isso com a Sílvia pensei logo “ela vai dar o troco”. Liguei para a telefonista da empresa, Elisângela, e disse: “Minha irmã quer aprontar comigo, ele vai ligar e perguntar pelo Rala-rala, transfira direto para o meu ramal. Minutos depois meu ramal toca e a telefonista  diz
“ligação para o Rala-rala.”
 Eu atendo: “Rala-rala, bom dia!”.
Só ouço um “F.D.P.!”.
É isso. Legados, de uma infância feliz, deixados por um homem que carregou uma austeridade excessiva que, todavia, não conseguiu mascarar seu carinho e bom humor. Longa vida ao meu velho que hoje nos contempla com um ar de serviço bem feito.      

7 comentários:

  1. Muito Bom,lembro do "seo"Dito com carinho.Parabéns aos 80 anos de vida.

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  2. Que fofo!! Nunca vi nada igual. O meu pai chamava minha irmã de Nega Preta qdo estava bravo com ela (meu pai praticando bullying com a mais morena kkk) e chamava meu irmão de Amarelo da Guaiana, tudo bem q ele é branquelo, but ....

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  3. KKKKKK... És um F.D.P. mesmo!!!! Bela crônica!!!
    Abs!

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  4. kkkkkkk me matei de rir ao ler sua crônica Valter! Eita pai criativo...

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  5. Amei! Me rendeu boas risadas... obrigada pelo momento bonito em tempos escuros! ☺️❤️

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